Recentemente, o cargo de líder do governo na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) ficou vago. O antigo ocupante do posto, Dr. Serginho (PL), foi eleito prefeito de Cabo Frio, e então renunciou ao seu mandato de deputado estadual – e, por extensão, ao posto de líder do governo de Cláudio Castro (PL).

Desde então, a administração de Castro carece de uma figura que exerça, formalmente, o cargo de liderança definido frente ao legislativo fluminense. Essa vacância não apenas pode fragilizar a articulação estratégica entre os poderes Executivo e Legislativo, mas também expõe as intrincadas dinâmicas de poder que marcam o cenário político do Rio de Janeiro.

Em um cenário marcado por disputas internas, reconfigurações de alianças e a antecipação de interesses para o pleito de 2026, o vácuo na condução da base governista acentua os desafios de governabilidade do atual mandato e projeta incertezas sobre o futuro político do estado. Este contexto, somado às recentes movimentações no campo municipal e estadual, configura um ambiente volátil e altamente estratégico, no qual cada movimento das peças políticas poderá redefinir as forças em jogo para os próximos anos.

O posto, atualmente vago, parece ter como principal postulante o deputado estadual André Corrêa (PP). O parlamentar tem intensificado sua posição como defensor voluntário de Castro, inclusive através de suas redes sociais, mas sobretudo na defesa do governo estadual diante da CPI da Transparência. Na condição de presidente da Comissão de Finanças e Orçamento, Corrêa ganhou destaque ao abordar diretamente as preocupações de aposentados e pensionistas quanto à segurança de seus benefícios, em razão de decretos recentes que redirecionaram recursos dos royalties do petróleo. Esses valores, antes destinados ao Fundo do RioPrevidência, passaram a ser alocados no Tesouro Estadual, permitindo ao governo utilizá-los no pagamento da dívida pública com a União.

A medida, contudo, gerou controvérsias, despertando críticas tanto da sociedade quanto de parlamentares. Esse cenário abriu caminho para que Corrêa assumisse um papel de destaque como representante dos interesses do Executivo, consolidando-se como um agente moderador no diálogo com aposentados e pensionistas. Em sua atuação, ele buscou tranquilizar essa parcela da população, assegurando a manutenção da regularidade nos pagamentos e mitigando as preocupações quanto à segurança de seus benefícios.

Em 2018, Corrêa esteve próximo de alcançar a presidência da Alerj, mas seus planos foram interrompidos pela prisão na Operação Furna da Onça. Após ser o primeiro a ser liberado, provando que os depósitos em sua conta foram um erro bancário, ele recuperou seu mandato e agora busca restaurar seu prestígio político. A liderança do governo na Alerj surge como uma oportunidade estratégica para Corrêa retomar seu caminho rumo à presidência da Casa. Apesar do nome de Corrêa ser o mais provável para a liderança do governo na casa, outros nomes despontam como possibilidade, entre eles: Jorge Felippe Neto (Avante) foi apontado por integrantes do Palácio como uma possível escolha para a liderança, além de Fred Pacheco (Mobiliza), aliado de longa data do governador e irmão gêmeo do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Márcio Pacheco.

Apesar de o cargo de líder de governo na Alerj permanecer formalmente vago após Dr. Serginho assume o Executivo de Cabo Frio, indícios sugerem que essa função tem sido exercida de forma discreta pelo presidente da Casa, Rodrigo Bacellar (União), refletindo as sutilezas e os desdobramentos estratégicos do jogo político já orientado para as eleições de 2026.

A relação entre Bacellar e Castro teve início quando Bacellar, então uma figura do baixo clero, ganhou projeção ao assumir a relatoria do impeachment de Wilson Witzel, destacando-se por sua habilidade jurídica. Sua articulação foi crucial para o avanço do processo, consolidando-o como peça central no governo que se formou após Castro, até então vice de Witzel, assumir o Executivo estadual. Com pouca interlocução junto a deputados e prefeitos, Castro passou a depender da capacidade de Bacellar para construir uma base sólida de apoio. Essa influência garantiu a Bacellar as credenciais necessárias para alcançar a presidência da Alerj e estreitar sua relação com o governador. Ainda assim, Bacellar não hesita em contrariar Castro, reconhecendo a dependência do governador de seu suporte político na Assembleia.

Um exemplo emblemático ocorreu quando, diante da recusa de Castro em ceder o controle das secretarias de Saúde e Administração Penitenciária, Bacellar instaurou a CPI da Transparência, direcionada a escrutinar os números das pastas, reforçando sua posição de força no Legislativo.

Dr. Serginho disse ter protocolado um ofício a Bacellar solicitando a “designação de outro líder (do governo) em decorrência da campanha eleitoral em Cabo Frio”. Ele seguiu, no entanto, formalmente no posto de líder durante toda a campanha. Aliados de Castro relataram que a atuação de Serginho, mesmo antes da corrida eleitoral, esbarrava na proximidade que Castro e Bacellar construíram desde o mandato anterior. Na prática, devido a essa relação, a agenda do governo costuma passar pelas mãos do presidente da Alerj.

Assim, é possível especular que a demora na definição de um novo líder de governo na Alerj, apesar das projeções indicarem a vitória de Serginho em Cabo Frio desde o início da campanha, está ligada à tentativa de Bacellar de exercer esse papel de forma informal no ano que antecede o pleito estadual. Esse movimento visaria aumentar sua popularidade e influência, preparando-o para uma disputa mais forte ao Palácio Guanabara em 2026.

Tal estratégia parece contar com o apoio de Castro, que reconhece o prestígio de Bacellar para sua governabilidade e compreende a importância de manter sua popularidade para concorrer ao Senado no próximo ano, dado o plano do PL de lançar dois candidatos do Rio para a Casa Alta, alinhando-se à estratégia nacional do partido de ampliar sua bancada no Congresso. As especulações de maior efervescência indicam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já estaria respaldando uma articulação das forças de direita em torno de Bacellar para as eleições do próximo ano, com o objetivo de confrontar a candidatura do atual prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PSD), que, por sua vez, deverá disputar a a cadeira do comando do Poder Executivo estadual com o lastro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em declaração de outubro do ano passado, o prefeito Paes pediu para que o governador Cláudio Castro não se subverta às “extorsões e ameaças da Alerj”. O pronunciamento gerou reação enérgica de Bacellar, que abriu uma das sessões plenárias chamando Paes de “vagabundo”.

A relação de simbiose e dependência entre os presidentes dos dois poderes se torna ainda mais evidente quando se observa o pedido da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a cassação dos mandatos do governador, do vice Thiago Pampolha (MDB) e do presidente da Alerj, por abuso de poder político e econômico. O caso remonta ao escândalo do Ceperj, em que foram identificadas 27 mil contratações irregulares e desvios superiores a R$ 220 milhões em programas estaduais, antes das eleições.

Apesar da absolvição inicial de Castro e Pampolha pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) em maio, o Ministério Público recorreu ao TSE. Castro, Pampolha e Bacellar, por sua vez, negam qualquer irregularidade e se dizem confiantes na Justiça. O fato de nomes tão proeminentes do Executivo e Legislativo figurarem como réus reforça a urgência de ações coordenadas entre ambos, como meio de garantir sua sobrevivência política e assegurar suas pretensões eleitorais para 2026.

A indefinição na liderança da base governista na Alerj não apenas evidencia um vácuo estratégico na articulação entre os poderes, mas também sinaliza os movimentos políticos que começam a moldar o cenário das eleições estaduais de 2026, refletindo a volatilidade e a complexidade do jogo político no Rio de Janeiro.