“Eleições 2024: recuo da esquerda, crescimento da direita”, por Laura Lorenzi
O primeiro turno das eleições municipais não teve candidatos de esquerda em 15,1% dos municípios. Os dados são de levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), divulgado em reportagem do UOL no dia 18 de setembro. A metodologia considerou os 5.569 municípios do país.
Os partidos considerados de esquerda para o estudo foram PT, PDT, PSB, Rede, PSOL, PCdoB, PSTU, UP, PCB e PV. Tal classificação dialoga também com o Mapa Ideológico traçado pelo Radar Governamental. É importante notar que a classificação da matéria, tal qual a do Radar, não considera as nuances individuais para cada região e candidato, sendo avaliado o posicionamento geral dos partidos, e não as propostas e posicionamentos dos disputantes.
A evasão da esquerda na política local atingiu 846 municípios ao redor do Brasil. A região mais afetada foi o Sudeste, com 287 cidades. Em seguida, apresenta-se o Sul com 204, o Nordeste com 189, o Centro-Oeste com 107 e o Norte com 59. As razões que levam a este ocorrido são particulares. Para melhor compreender alguns dos pontos que levaram à evasão da esquerda brasileira nas eleições deste ano, foram analisados três estados com perfis políticos distintos: Rio Grande do Norte, São Paulo e Santa Catarina. As análises consistem na observação das três instâncias administrativas – Federal, Estadual e Municipal –, com foco no cenário das capitais, dadas as dificuldades metodológicas de se observar individualmente cada município.
Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte é administrado pela governadora Fátima Bezerra (PT). Dos últimos cinco políticos que ocuparam o cargo – Wilma de Faria (PSB), Iberê Ferreira de Souza (PSB), Rosalba Ciarlini (DEM, atual UNIÃO), Robinson Faria (PSD) e Fátima (PT) –, apenas Rosalba pode ser considerada um nome conservador. Ainda assim, o Rio Grande do Norte já elegeu expoentes da direita, como o ex-senador Agripino Maia (União) e o atual Rogério Marinho (PL), que foi ministro durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Historicamente, nas eleições nacionais das últimas duas décadas, a população potiguar elegeu não apenas Lula no último pleito, com aproximadamente 65% dos votos, mas Dilma, em 2010 e 2014, e Haddad, em 2018, ambos com mais de 60% dos registros em urna. Os feitos de Lula no Nordeste geram frutos colhidos até hoje, que fazem dele uma figura extremamente bem quista por eleitores em toda a região – vide a grande adesão do público aos seus sucessores. Apesar do cenário ter sido favorável, anteriormente, aos petistas, a rejeição atual ao presidente hoje alcança quase 40% do eleitorado, sugerindo que o chefe do Executivo tem também enfrentado a polarização que permeia o país.
Se até o principal nome do PT tem sofrido uma queda na popularidade, isso também se reflete na rejeição à governadora, que alcançou mais de 70% do eleitorado do estado, quase 80% em Natal. Esses índices negativos não são recentes, visto que pesquisas anteriores já indicavam o descontentamento da população com suas políticas.
Em agosto, o deputado estadual Tomba Farias (PSDB), parte da oposição direta da Governadora, discursou na Assembleia, criticando a gestão atual nas áreas de educação, saúde e segurança no estado, e afirmando que o Rio Grande do Norte enfrenta uma das piores situações de sua história. Em 2021, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) apontou a educação do RN como a pior do país, situação que não se alterou em 2023, apenas empatado com Amapá e Pará. Na saúde, o quadro também é crítico. O deputado mencionou especificamente a falta de acesso a cirurgias vasculares e a escassez de leitos de UTI, que comparou a “uma loteria esportiva”.
As divergências com a atual governadora se materializaram com o resultado do primeiro turno das eleições municipais de 2024. Dos 167 municípios do Rio Grande do Norte, 86 elegeram prefeitos de centro e outros 49 de direita, contra apenas 25 candidatos eleitos de centro-esquerda ou esquerda. A capital, Natal, tem como prefeito Alvaro Dias (Republicanos, ex-PSDB) que, ainda que tenha registrado 48% de desaprovação, tem aprovação de 42%, substancialmente maior do que os 23% da governadora.
Dias está no fim do seu segundo mandato consecutivo e, portanto, não pôde concorrer na eleição de 2024. Natal terá segundo turno, disputado por dois deputados federais, Natalia Bonavides (PT) e Paulinho Freire (União). Embora ainda haja chances para a esquerda na capital – é a primeira vez em 28 anos que o PT chega ao segundo turno em Natal, e a mobilização para angariar votos à Natália envolve o presidente Lula – há maior probabilidade de vitória do candidato do União, que alcançou a marca de 44,08% dos votos válidos no primeiro turno. Freire conta com o apoio do deputado federal General Girão (PL), do atual prefeito e de outros políticos.
Neste nível da análise, é possível observar claramente de que maneira “a questão local impera sobre a política nacional nas eleições municipais”, como afirmou o colunista do Uol responsável pela matéria, Felipe Pereira. Em pesquisa recente, o Rio Grande do Norte esteve empatado em primeiro lugar com Pernambuco no ranking de eleitores de esquerda, com 18% da população do Estado autodeclarando-se de esquerda. Ainda assim, há uma parcela conservadora considerável no estado, responsável pela eleição dos senadores mencionados e pela escolha de dois candidatos do PL entre os cinco mais votados para a Assembleia Estadual.
A direita pode não ser necessariamente predominante no estado, mas tem encontrado seus rumos na política regional, como a realidade das prefeituras definidas até então demonstra. Parte deste movimento se dá pelas recentes tendências de polarização, enquanto o restante pode ser jogado na conta do aumento da rejeição do campo da esquerda, principalmente pelo descontentamento com a gestão da governadora, e mesmo com a maior rejeição à própria figura do presidente Lula. O alinhamento destes fatores dá forma ao atual cenário da política norte-rio-grandense, e aponta indícios que podem levar à compreensão do motivo da grande evasão da esquerda nestas eleições municipais.
Santa Catarina
Em Santa Catarina, por sua vez, a direita catarinense tem crescido substancialmente nos últimos anos, impulsionada por um conjunto de fatores como a eleição de Jair Bolsonaro, e o governo de Lula, que sofre grande rejeição no local. Poucas pesquisas foram divulgadas nos últimos meses sobre a popularidade do petista em âmbito estadual; mas em Florianópolis 63% da população considera seu governo péssimo, ruim ou regular.
O resultado da grande mobilização da direita foi a eleição em 2022 do governador Jorginho Mello (PL). Ele conta com aproximadamente 60% de aprovação do eleitorado, figurando entre os 5 governadores melhor avaliados do país. Proporcionalmente, os 26% de municípios sem candidatos de esquerda em SC ainda não parecem tão alarmantes se comparados aos 38% do RN. O estado, porém, somou 76 municípios sem a presença da esquerda na eleição de 2024. O povo catarinense é o segundo mais direitista do Brasil, com 37% da população declarando-se de direita, o que reflete na eleição de nomes conhecidos, não apenas nacionalmente, como é o caso de Jorge Seif (PL), mas em diferentes frentes da direita, como a deputada Ana Campagnolo (PL) – a mais votada na última eleição –, Sargento Lima (PL) e Jessé Lopes (PL). O partido dos citados tem, atualmente, 12 das 40 cadeiras, a maior representação na Casa.
No cenário municipal, a primeira referência a ser considerada é a gestão da capital, com Topazio Neto (PSD). Foi reeleito com cerca de 58% dos votos válidos, significativamente à frente do segundo candidato, Marquito (PSOL), que somou 22% do eleitorado. Apesar de seu partido ser considerado de centro, Topázio, que possui baixa rejeição, de apenas 30% do eleitorado, alinhou-se à direita e recebeu apoio do PL, o maior partido da direita catarinense, o que favoreceu ainda mais sua reeleição. No restante dos municípios, o partido do governador foi eleito em 30,5% do contingente, sendo o que mais elegeu prefeitos no estado – triplicado o número de prefeituras capitaneadas, de 28 para 90 entre as eleições de 2020 e 2024 –, seguido pelo MDB e, em terceiro lugar, o PP. Ao todo, estes 3 partidos comandarão 70% de Santa Catarina.
A reportagem do UOL sobre o tema menciona a rejeição ao PT feita também por meio de vedação a campanhas do partido. “Em Timbé do Sul e Turvo, na divisa com o Rio Grande do Sul, no extremo sul catarinense, pessoas barram candidatos do PT na campanha de porta em porta”, relata o texto. É possível considerar que, em um estado com tamanha adesão à direita, os próprios eleitores vetam a possibilidade de existência de candidaturas de esquerda, estabelecendo mecanismos que regulam o pluripartidarismo e as opiniões divergentes, o que resultou na eleição de apenas sete prefeitos de esquerda em todo o Estado.
O grande descontentamento do estado com a esquerda remete às denúncias de corrupção do mensalão, e foi amplificado pela Lava Jato. O movimento de busca por um outsider, neste contexto, levou em 2018 à eleição de Jair Bolsonaro (PL) com 68% dos votos no estado. Uma vez que a população encontrou-se na ideologia pregada pelo ex-presidente, com os pilares de Deus, Pátria e Família, aderiu ainda mais ao conservadorismo. A parcial evasão da esquerda, neste sentido, era esperada por qualquer observador atento ao cenário. A rejeição à vertente faz com que suas políticas não vinguem em grande parte do Estado, sequer para um “contrapeso”, o que inviabiliza uma alternativa aos que discordam da direita.
São Paulo
O estado de São Paulo é também um expoente a se considerar na tentativa de compreender o motivo da evasão esquerdista. Um total 23% dos municípios do estado não teve candidatos deste espectro, totalizando 148, número que representa quase metade da soma do Sudeste. Ainda que não seja tradicionalmente tão conservador quanto o catarinense, nem esquerdista como o potiguar, o povo paulista dá fortes indícios de uma guinada à direita nos últimos anos.
No estado, recentemente, foram eleitas grandes figuras da direita, como o ex-ministro do governo Bolsonaro e atual senador, Marcos Pontes (PL), e o atual governador, Tarcísio de Freitas (REP). A política paulista, que sempre seguiu uma linha centrista, com uma série histórica de governadores do PSDB – Mário Covas, José Serra, Geraldo Alckmin, João Dória –, teve sua tradição quebrada com a eleição de Tarcísio. Sua atual gestão à direita, porém, tem agradado mais o eleitorado, com aprovação – entre ótimo, bom ou regular – em 62% e rejeição – ruim ou péssimo – de apenas 29%.
É importante notar o contraste: o governo federal segue uma linha parecida de aprovação, com avaliação entre ótimo e bom em 35%, e regular, 28%. Esta dicotomia – especificamente no que se refere à divisão do eleitorado entre esquerda e direita – transparece ainda mais no cenário do pleito na capital. Os paulistanos tiveram de optar entre três candidatos empatados na margem de erro, Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB). Confirmado o segundo turno depois do último 6 de outubro, o apoio de figuras políticas de outras instâncias deve intervir em prol de maior polarização nos resultados, com Ricardo Nunes e Tarcísio, e Boulos e Lula.
A dinâmica se estende a outros municípios importantes do estado, como Guarulhos, onde o segundo turno encontra-se dividido entre o candidato do PL e um ex-petista, atualmente vinculado ao Solidariedade; e Sumaré, com um enfrentamento entre os partidos do governador e do presidente. Deste modo, instaura-se uma conjuntura propensa aos extremos – inclusive, o sumiço reportado dos candidatos à esquerda.
De acordo com o levantamento elaborado pelo Valor Data, PSD, PL e Republicanos são os partidos com mais prefeitos eleitos no Estado, totalizando mais de 64% dos municípios. A situação dos segundos turnos, em comparação, segue a mesma linha de “endireitamento”: grandes municípios como São Bernardo do Campo, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Santos e Jundiaí, não contam com um nome no segundo turno para a esquerda local. Para o caso de São Paulo, tal qual acontece em Santa Catarina, ainda que a maior parte dos eleitos seja de partidos de centro, é possível traçar históricos de alinhamento ideológico mais à direita nestas regiões, como é o caso dos políticos do União Brasil, Republicanos e PP seguirem, majoritariamente, as posições tomadas por outros do PL, seja, por governabilidade ou coligação.
Pode-se dizer que o argumento apresentado acima, a polarização e a aversão à esquerda – as duas principais causas dos casos anteriores – interligam-se ao desempenho econômico do Estado – que, no último semestre, teve um crescimento do PIB de 3,3%, ao mesmo tempo que registrou uma queda na taxa de desemprego –, e à progressiva expansão de valores conservadores, o que contribui com o contentamento do povo com a atual gestão, e também é refletido, mais uma vez, na maior rejeição pela esquerda. Assim, se forma a política paulista.
Conclusão
Os três exemplos citados têm influência de movimentos em nível nacional, como é o caso da polarização, intensificada no governo Bolsonaro, e dos reflexos de operações como a Lava Jato para a adesão popular da esquerda. A consequência mais marcante deste último é a ampliação de partidos de direita e a quantidade crescente de militantes de suas causas, facilitado por sua capacidade de penetrar mesmo os territórios mais distantes do Brasil, enquanto a esquerda pena com os esteriótipos remanescentes de desastres anteriores.
Os motivos individuais, porém, são de tanta importância quanto. Seja a peculiaridade da relação com o PT no Rio Grande do Norte, o conservadorismo enraizado na cultura catarinense, ou mesmo a recente tendência destra dos paulistas, nenhum fator isolado explica a ausência dos candidatos à esquerda, sendo preciso observar estado por estado. Análises generalistas ajudam a compreender parte do cenário do presente momento, e observar com maior atenção o sintoma da evasão da esquerda nas eleições municipais.
A importância de debruçar-se sobre o tema é o impacto que exerce na realidade e no cotidiano do brasileiro: a ausência da esquerda leva ao crescimento da direita e do centro, na mesma intensidade que é impactada por isso, partindo do princípio de que não há “vácuo ideológico”. O resultado é o fato de o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, ter sido o que mais elegeu vereadores em capitais, e ser o quinto colocado no ranking de partidos com prefeitos eleitos, publicado pelo Poder360.
Comparativamente, nem o PT, o partido de esquerda mais conhecido e melhor disseminado por todo o país, tem força frente ao tamanho e força do PL. Fica claro, assim, o eminente desafio que a esquerda enfrenta em meio ao crescimento contínuo do conservadorismo e da polarização em todas as esferas da administração pública, tal qual na disputa ideológica do imaginário popular.
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