A cisão entre os irmãos e ex-governadores Ciro e Cid Ferreira Gomes no cenário político do Ceará desencadeou uma série de eventos que abalaram as estruturas do PDT local e reverberaram em todo o estado. O conflito culminou na retirada do partido de quase 40 prefeitos, 10 deputados estaduais e 4 federais, todos liderados por Cid, que acabaram se filiando ao PSB. Esse desmembramento não apenas fragmentou uma aliança histórica entre o PT e o PDT no Ceará, mas também evidenciou as profundas discordâncias ideológicas, estratégicas e de interesses entre os dois irmãos.

Esse conflito inicia-se nas eleições de 2022, ainda no momento de decisão do candidato pedetista ao governo do estado. Ciro e sua irmã Lia Gomes, deputada estadual, enxergavam que Roberto Cláudio (PDT), ex-prefeito de Fortaleza, era o nome certo para disputar contra o candidato bolsonarista Capitão Wagner (União), que era um dos favoritos na disputa. Para Ciro, Roberto Cláudio era identificado com seus ideais, e diante de uma eleição presidencial onde ele fazia oposição ao então candidato Lula (PT), isso seria importante.

Já o atual ministro Camilo Santana, Cid e o prefeito de Sobral, Ivo Gomes, também irmão de Ciro, Cid e Lia, enxergavam em Izolda Cela (antes do PDT, hoje PSB) a pessoa certa para suceder Camilo e superar o Capitão. Izolda, no momento da decisão, estava exercendo o cargo de governadora, cargo que assumiu por ter sido eleito vice em 2018 e por conta da renúncia de Camilo, que abdicou do cargo para concorrer ao Senado. A então governadora era vista com bons olhos tanto pelo ex-governador quanto pelos irmãos Cid e Ivo, por representar a aliança entre o PT e o PDT, tendo em vista que esteve filiada ao Partido dos Trabalhadores por 12 anos e foi um dos pivôs dessa cooperação, principalmente após assumir a Secretaria Estadual da Educação sob gestão do Cid Gomes.
No dia 18 de julho de 2022, porém, o diretório estadual do PDT em Fortaleza elegeu como candidato Roberto Cláudio (que recebeu 54 votos na eleição interna), ao invés de Izolda (29 votos). Cid, apesar de não se envolver diretamente na disputa posteriormente por conta da eleição presidencial que seu irmão estava prestes a disputar, apoiava Izolda e isso por si só já estremeceu a relação, o que acabou por gerar uma cisão dentro do partido e também da família. E essa cisão não se deu apenas dentro do PDT, mas afetou a aliança PT-PDT no estado, principalmente após as críticas feitas pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que alegou que o PT estava disposto a apoiar a candidatura de Izolda.

A separação entre PT e PDT no governo do Ceará ficou evidente quando Camilo Santana anunciou a candidatura de Elmano de Freitas (PT) para o governo, em vez de apoiar Roberto Cláudio (PDT). Isso levou a uma ruptura com Cid e Ivo Gomes, que não apoiaram Roberto Cláudio, culminando em Ciro Gomes declarando-se traído pelos seus irmãos. Em 2018, Ciro venceu Bolsonaro e Haddad no Ceará, mas em 2022, ficou em terceiro lugar, assim como seu candidato, Roberto Cláudio.

A crise não se limitou às eleições e, posteriormente, motivou um conflito ainda mais complexo entre Cid Gomes (que era vice-presidente do PDT-CE) e o deputado federal André Figueiredo (presidente do PDT-CE e aliado de Ciro). Cid, assim como nas eleições, defendia a retomada da aliança PDT-PT no estado, fazendo paralelo ao PDT nacional que compõe a base do governo Lula com Carlos Lupi (PDT) exercendo a função de ministro da Previdência.

Em junho de 2023, esse conflito se tornou ainda mais público, quando, em um evento regional do PDT em Fortaleza, não houve a presença de Cid e seus prefeitos, deputados federais e estaduais aliados. Além disso, os aliados de Cid dentro do PDT, iniciaram um movimento para destituir Figueiredo, o que faria de Cid o presidente do partido. Porém a corda estourou para o vice, que acabou sendo excluído da função.

PSB, o maior partido do Ceará
Após esse episódio, Cid passou a articular a sua saída do partido, planejando levar seus aliados junto com ele para o PSB. Com a articulação concluída, cerca de 37 prefeitos eleitos pelo PDT migraram para o PSB – sendo o mais importante deles, Ivo Gomes, irmão de Ciro e prefeito de Sobral. O PDT perdeu cerca de 53% dos prefeitos eleitos em 2020 devido a esse conflito, e também foi superado pelo PSB no estado, que se tornou o maior partido, contando com 61 municípios.

Lista de prefeitos que migraram do PDT para o PSB:

  1. Edilberto Beserra, prefeito de Acarape
  2. Joaquim do Quinca, prefeito de Alcântaras
  3. Liborio, prefeito de Assaré
  4. Edinho Nobre, prefeito de Banabuiu
  5. Netim Morais, prefeito de Bela Cruz
  6. Gislaine Landim, prefeita de Brejo Santo
  7. Betinha, prefeita de Camocim
  8. Simone Tavares, prefeita de Caridade
  9. Edmilson Leite, prefeito de Caririaçu
  10. Ravenna Lima, prefeita de Catunda
  11. Joãozinho de Titico, prefeito de Cedro
  12. Gildecarlos, prefeito de Deputado Irapuan
  13. Emanuelle Martins, prefeita de Ererê
  14. Edinardo, prefeito de Forquilha
  15. Helton Luís, prefeito de Frecheirinha
  16. Íris Martins, prefeita de Hidrolândia
  17. Nezinho Farias, prefeito de Horizonte
  18. Frank Gomes, prefeito de Itaiçaba
  19. Elizeu Monteiro, prefeito de Itarema
  20. Edson Riva, prefeito de Jucás
  21. Roger Aguiar, prefeito de Marco
  22. Dr. Loirim, prefeito de Missão Velha
  23. Canarinho, prefeito de Mucambo
  24. Bruno Figueiredo, prefeito de Pacajus
  25. Raimundo Filho, prefeito de Jucá
  26. Beim, prefeito de Paracuru
  27. João Bosco Tabosa, prefeito de Pentecoste
  28. Neto Estevam, prefeito de Pereiro
  29. Bismarck Barros, prefeito de Piquet Carneiro
  30. Dra. Lívia Muniz, prefeita de Pires Ferreira
  31. Cirilo Pimenta, prefeito de Quixeramobim
  32. Davi Benevides, prefeito de Redenção
  33. Sávio Gurgel, prefeito de Russas
  34. Maurício Pinheiro, prefeito de Senador Pompeu
  35. Ivo Gomes, prefeito de Sobral
  36. Marcelo Mota, prefeito de Tamboril
  37. Elmo Monte, prefeito de Varjota

A crise e as eleições de 2024

As perspectivas para 2024 são igualmente ruins para os pedetistas. O atual prefeito, José Sarto (PDT), um político com mais de 40 anos de carreira, o que inclui as presidências da Câmara Municipal de Fortaleza e da Assembleia Legislativa do Ceará, está diante de inúmeros obstáculos causados pela crise entre o PT e o PDT. O prefeito se viu obrigado, no ano de 2023, a refazer a sua base na Câmara e vem colhendo bons frutos disso, o que o coloca em uma posição relativamente boa nas pesquisas eleitorais.

As figuras centrais para o apoio à reeleição de Sarto são Ciro Gomes, André Figueiredo, Roberto Cláudio e o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB), marcando uma reorganização do partido. O vice da chapa de Sarto, por conta dos novos arranjos, deve ser um tucano. O prefeito, no entanto, não se coloca como um indivíduo hostil ao Cid e ao PT; porém sua base aliada vem promovendo constantes ataques à gestão do governador Elmano de Freitas (PT). Esse cenário de ruptura coloca Sarto em uma posição não tão agradável, principalmente em um cenário de reeleição.

A cisão com o PT, no entanto, obrigou que o PT indicasse um antigo conhecido do PDT para concorrer com Sarto. O deputado estadual Evandro Leitão (PT), escolhido por Camilo Santana, foi oficialmente escolhido como pré-candidato para as eleições municipais em Fortaleza, concorrendo internamente contra a deputada federal Luizianne Lins (PT), que já havia exercido o papel de prefeita de Fortaleza por dois mandatos. Evandro fez parte do PDT por cerca de 14 anos e foi um dos vários indivíduos que abandonaram o partido após a saída de Cid Gomes. Cid vem articulando a campanha única da esquerda e vem sendo, junto de Camilo, o maior aliado de Evandro nesse cenário, comprometendo ainda mais a sua relação com o PDT e com seu irmão.

No entanto, a escolha de Leitão fragmentou o próprio PT, criando uma divisão entre os apoiadores da candidatura de Luizianne Lins e os defensores de Evandro. A cúpula mais tradicional do PT enxerga que a candidatura de Evandro consolida a derrota das lideranças do PT, tendo em vista que o ex-pedetista, que não possui uma longa história com o PT, foi escolhido com o apoio de Cid Gomes, não representando os ideais do partido.

Essa fragmentação fortalece ainda mais os nomes à direita, como o Capitão Wagner (União), que vem conquistando um número expressivo de capital político ao longo de sua trajetória, que inclui ser eleito vereador por Fortaleza em 2012, deputado estadual pelo Ceará em 2014 e deputado federal em 2018. Além de exercer esses cargos, Wagner ganhou respaldo por ter chegado no segundo turno nas eleições municipais de Fortaleza em 2016 e 2020 e ter sido o segundo candidato mais votado nas eleições para governador do Ceará, em 2022.
Outras figuras que aparecem na disputa são o deputado federal bolsonarista André Fernandes (PL) e o senador Eduardo Girão (NOVO). Ambos, apesar de não despontarem na corrida eleitoral até o momento, acabam por se tornar importantes atores na disputa pelo eleitorado mais conservador com o Capitão Wagner.

Em pesquisa disponibilizada pela AtlasIntel no início de 2024, Wagner despontava como líder, com 28,6%, seguido do atual prefeito José Sarto, com 25,6%, Evandro Leitão, 14,2% e André Fernandes com 12,9%. A mesma pesquisa mostrou que José Sarto possui uma aprovação de 25% e uma desaprovação de 45%, e 30% não souberam responder.