O Radar Governamental convida profissionais que atuam nos Poderes Legislativos pelo país a contribuírem com a sua visão sobre as atividades do setor. Desta vez, trazemos a análise da advogada Glaucia Lino de Oliveira Barbosa sobre uma discussão recente ocorrida na Assembleia Legislativa de São Paulo e a importância do trabalho dos parlamentares.


Parlamento – substantivo masculino. É a reunião das assembleias (ou câmaras legislativas) que compõem o Poder Legislativo dos países que são regidos por uma Constituição. (Dicionário)

A Assembleia Legislativa de São Paulo – a maior do país, é formada por 94[1] deputadas e deputados estaduais eleitos, para um mandato de quatro anos, representando você e eu, elaborando e aprovando leis estaduais para os mais de 43 milhões de paulistas e cuidando, com seu órgão auxiliar, o Tribunal de Contas do Estado, da fiscalização dos atos do Poder Executivo.

Atribuições da ALESP

De acordo com a Constituição do Estado de São Paulo, são atribuições da Assembleia:

Legislar – propondo, discutindo e deliberando iniciativas legislativas, a fim de que se tornem normas para o cumprimento de direitos e deveres na sociedade. Como? Por meio de projetos de leis, moções, resoluções, emendas, decretos legislativos.

Fiscalizar e Controlar – Como? Mantendo a atenção à execução de ações e atos da Administração, como contas em geral, execução orçamentária, contratos, cumprimento de obrigações de governo, acompanhamento do PPA entre outros. .

A Assembleia também tem o poder de investigar e o faz por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), averiguando a ocorrência de ilícitos e propondo medidas para soluções, encaminhando as conclusões ao Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas e outros órgãos de controle.

Como nasce uma lei?

A iniciativa das leis cabe a qualquer membro da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, em casos previstos previamente na Constituição. Nos casos de iniciativa popular, se faz necessário um número de assinaturas correspondente a 0,5% do eleitorado do Estado.[2]

Como um projeto de lei se torna lei?

Um Projeto de lei, para se tornar lei, deve passar por uma tramitação interna. Isto nada mais é do que o processo de encaminhamento na Casa legislativa, com a fase de emendas, comissões, sessão plenária, até chegar ao Chefe do Poder Executivo para sanção ou veto.

Uma vez entregue à Mesa Diretora, o Projeto de lei será lido para conhecimento dos deputados e depois, publicado no Diário Oficial do Poder Legislativo. No prazo de dois dias, o Projeto deverá ser incluído na pauta para possível recebimento de emendas, que é a forma que outro parlamentar tem de aperfeiçoar o Projeto de lei apresentado.

Ao final do prazo para emendas, o projeto será encaminhado ao exame das Comissões Temáticas, para que se discuta o seu mérito. As comissões escolherão um relator para elaborar o parecer e, após discussão e votação, o Projeto será incluído na Ordem do Dia para discussão e votação em Plenário.

Após votado e aprovado, o Projeto de lei será encaminhado ao Governador, que poderá sancionar ou vetar, sendo que o veto pode ser parcial. Somente após essa fase o projeto será promulgado e publicado, tornando-se enfim, lei estadual.

O caso do PL 529/2020

Mais do que a importância de se formular leis, como dito anteriormente, cabe aos deputados a apreciação dos Projetos de lei advindos do Poder Executivo. Aqui, quero me ater a um caso concreto que foi pauta de intensa discussão na Assembleia Legislativa do Estado de SP.

Em agosto de 2020, como justificativa para recuperação da arrecadação deficitária, da ordem de R$ 10,4 bilhões para o exercício de 2021, o Governo do Estado enviou ao Legislativo o Projeto de Lei 529/20.

A proposição, aprovada em 14 de outubro deste ano, tratou do pacote de ajuste fiscal, prevendo uma série de medidas visando dotar o Estado de meios para enfrentamento da grave situação fiscal que ora vivenciamos devido aos efeitos negativos da pandemia da covid-19.

Nesse sentido, o PL veio do Executivo sob a justificativa de que o rol de medidas equacionaria o déficit do Estado e ainda recuperaria parte do seu investimento.

Mas a que preço?

Embora o discurso de enxugamento da máquina fosse positivo, havendo evidência de avaliação negativa de serviços e órgãos públicos, o mesmo não ocorria no PL original, por exemplo, com a proposta de extinção da FURP – Fundação para o Remédio Popular, que acabou sendo excluída do texto final.

Outras entidades foram de fato extintas, sendo elas a Superintendência de Controle de Endemias e o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo. Além disso, o texto aprovado autoriza o Executivo a extinguir a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU).

O pacote do Governo estadual usava como argumento de convencimento acabar ou restringir benefícios fiscais. Afinal, quem não quer por fim às regalias do Governo como forma de ser mais eficiente?

É nesse momento que entra a figura do parlamentar, com a função de ser nossa voz, nos representando, analisando, discutindo e votando as leis que beneficiem a população, e em especial, aqueles que mais precisam da proteção do Estado.

O Projeto aprovado e sancionado com veto parcial traz uma majoração de impostos, como o ICMS[3]. Em análise mais focada, vemos que, nos termos propostos, o PL 529/2020, convertido na Lei 17293/2020, autoriza o Poder Executivo a majorar qualquer uma das alíquotas fixadas em patamares inferiores a 18%.

Para além de autorizar o Executivo por meio de Decreto a dispor sobre o percentual dos impostos – função que cabe ao Legislativo –, tal dispositivo afeta, por exemplo, mercadorias como remédios genéricos (12%), ovos (7%) e alguns itens da cesta básica (12%).

A norma recém-aprovada prevê ainda a restrição ao benefício dado até então para as PCDs (pessoas com deficiência) no pagamento de IPVA, sob o argumento de que há muitos casos de fraude e o Estado não tem condições de fiscalizar. 

Em que pese tenha sido aprovado, o PL 529/20 foi alvo de resistência e levou a uma aliança inédita de partidos opostos, como PSOL, PT, NOVO e PSL, cada qual com seus motivos e com críticas de que a condução do Projeto não se deu de forma democrática.

Isto porque, em razão da falta de quórum, o texto não foi apreciado na Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJR), a mais importante da Casa. Assim, conforme permite o Regimento Interno nos casos de Projetos de lei em regime de urgência, o Presidente nomeou um deputado da base do Governo como relator especial do projeto de lei, o que permitiu uma celeridade maior ao projeto, pulando as fases de discussão e levando o PL diretamente ao plenário. Embora regimental, o procedimento não é eficiente, democrático e transparente.

Conclusão

A proposta de reduzir o tamanho do Estado, sob argumento de melhoria das políticas públicas – melhorias estas que dependem das instituições e de servidores que se pretende extinguir – não é eficiente, pois não trará o efeito pretendido. É enganoso. Sem contar que a concentração de poder nas mãos do Chefe do Poder Executivo só contribui para retrocessos, desequilíbrio entre os poderes, ineficiência da gestão pública, aumento das desigualdades e, principalmente, comprometimento da democracia.

Vivemos ainda tempos difíceis, em constante amadurecimento político para a prática da democracia. É um momento em que se faz necessário reconhecer as diferenças, não como rivalidade, e sim, como alternativa para se achar o bem comum, sem abrir mão da participação social, que é a essência fundamental dos estados democráticos.

Devemos estar atentos ao Parlamento que nos representa, que zela pelos nossos anseios e necessidades, a fim de reverberar nossa voz, expandindo direitos e proteções. E tudo isso sempre com a máxima transparência.

“Lute pelas coisas de que gosta, mas faça isso de uma forma que leve outras pessoas a se juntarem a você”
Ruth Bader Ginsberg (juíza da Suprema Corte dos EUA)


Este artigo não reflete necessariamente a opinião do Radar Governamental


[1] Assim definido na Constituição Federal, artigo 27

[2] Artigo 24, § 3º, 1, da Constituição do Estado de São Paulo.  

[3] artigo 24 do PL 529/20

A importância de um Legislativo transparente