O Projeto de Lei 529/2020 é o principal tema de debate atualmente na Assembleia Legislativa de São Paulo. O texto foi apresentado pelo Governador João Dória (PSDB), sob argumento de viabilizar medidas para enfrentamento à grave situação fiscal decorrente da pandemia da covid-19.

A proposição tem como base o diagnóstico feito pela Secretaria de Projetos, Orçamento e Gestão, vinculada à Secretaria de Fazenda e Planejamento, de que o aumento das despesas e a redução das receitas tributárias indicam um déficit orçamentário da ordem de R$ 10,4 bilhões para o exercício de 2021.

Assim, o projeto se apresenta como medida de ajuste fiscal, enxugamento da máquina administrativa e reforma de dispositivos da legislação tributária paulista, permitindo aumento na arrecadação. Ou seja, não se trata “apenas” de uma reforma tributária estadual, mas também apresenta traços para uma reforma administrativa no Estado paulista.

Entre as alterações, destacam-se as extinções de algumas entidades descentralizadas e também as mudanças em normas que envolvem tributos, sendo eles o ITCMD, o IPVA e o ICMS.

Ao propor a reforma, São Paulo acompanha o Rio Grande do Sul, que também apresentou Projeto de Lei para alterar a legislação tributária, diminuindo a renúncia fiscal. Aliás, as matérias foram apresentadas apenas com 3 dias de diferença: 10/08, no Rio Grande do Sul e 13/08, em São Paulo.

A reforma tributária é peça fundamental de João Doria na estratégia para permitir investimentos e se manter um pré-candidato à Presidência viável até 2022. Além disso, o movimento em São Paulo tende a influenciar outros Estados no debate do tema.

Para ser aprovado na Assembleia paulista, o texto necessita da maioria simples de votos em turno único. Contudo, a gama de assuntos trazidos à discussão para o Legislativo no projeto, como a questão da extinção de entidades e o impacto das medidas no incentivo às pesquisas, tende a gerar atritos e demandará grande articulação política para sua aprovação.  Confira abaixo um resumo das principais alterações trazidas no projeto.

Redução de benefícios de ICMS

Quanto ao ICMS, o texto traz um artigo de grande impacto que, de acordo com o governo estadual, seria capaz de gerar um corte de 20% em todos os benefícios fiscais concedidos com o ICMS para obtenção de um aumento de arrecadação de R$ 8 bilhões.

O artigo 24 do texto autoriza o Poder Executivo a reduzir os benefícios fiscais e financeiros-fiscais relacionados a este imposto. Em seu parágrafo único, o dispositivo equipara a alíquota fixada em patamar inferior a 18% a benefício fiscal.

Outro aspecto importante é que a proposição pretende adequar a legislação estadual ao Convênio ICMS 42/2016, celebrado no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). O documento autoriza os Estados e o Distrito Federal a criarem condição para a fruição de incentivos e benefícios do imposto ou reduzir o seu montante.

A condição seria obrigar as empresas beneficiárias a depositarem em fundo de desenvolvimento econômico e ou de equilíbrio fiscal o montante equivalente a, no mínimo, 10% do respectivo incentivo ou benefício.

Já a possibilidade de redução seria de, no mínimo, 10%.

Essas regras seriam aplicáveis às isenções, às reduções de base de cálculo, aos créditos presumidos e a todos os tipos de benefícios hoje existentes.

Por fim, o Governo propõe a possibilidade de renovação dos incentivos que venham a vencer daqui para frente, desde que haja previsão na legislação orçamentária e seja atendida a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Modificações no IPVA

Quanto ao IPVA, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, o Projeto prevê uniformizar em 4% a alíquota a ser aplicada no cálculo do imposto. A medida seria alcançada por meio da:

  • revogação da alíquota diferenciada para veículos que utilizam motor especificado para funcionar, exclusivamente, com determinados tipos de combustível;
  • redução de alíquota prevista para veículos automotores destinados à locação, de propriedade de empresas locadoras, desde que registrados no Estado de São Paulo; e
  • definição de novos critérios para a isenção aos deficientes.

No terceiro caso, a proposta enviada pelo governo de São Paulo exclui da Lei estadual 13296/2008 a menção aos deficientes visuais e mentais como beneficiários e prevê isenção da propriedade de “um único veículo, de propriedade de pessoa com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual”.

Modificações no ITCMD

Quanto ao ITCMD, Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, em resumo, o PL traz:

  • inclusão de artigo prevendo os momentos de ocorrência do fato gerador;
  • ampliação do rol de entidades sem fins lucrativos que poderão ser beneficiadas com a isenção;
  • alteração de dispositivos que tratam da base de cálculo, ajustando-os aos valores de mercado;
  • ajustes decorrentes do novo Código de Processo Civil.

Enxugamento da máquina

Quanto à redução da máquina pública, o PL propõe a extinção das seguintes entidades:

  • Fundação Parque Zoológico de São Paulo;
  • Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima”;
  • Fundação Oncocentro de São Paulo;
  • Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo – CDHU;
  • Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo – EMTU;
  • Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN;
  • Instituto de Medicina Social e de Criminologia – IMESC;
  • Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo – DAESP; e
  • Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP).

Já o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE) sofreria grandes modificações em seu sistema de contribuições.

Financiamento de pesquisas

Outro ponto polêmico está no artigo 14, que determina que o superávit financeiro das autarquias e fundações seja transferido ao final de cada exercício ao tesouro estadual para o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social do Estado.

As universidades estaduais USP, Unicamp e Unesp, que são autarquias especiais, e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, temem ser afetadas, já que perderiam seus superávits, hoje utilizado em parte para o financiamento de pesquisas nas instituições. Junto com outras entidades e organizações ligadas ao ensino e à pesquisa, elas estão se mobilizando em torno das discussões sobre o Projeto.

Após a apresentação do PL 529, o coordenador da Administração Geral da Universidade de São Paulo divulgou nota em que questiona a proposta. Segundo Luiz Gustavo Nussio, as despesas adicionais e perdas financeiras líquidas com a covid-19 no Estado de São Paulo são estimadas em cerca de R$ 2 bilhões, contudo o pacote proposto busca arrecadar R$ 10,4 bilhões “para resolver desequilíbrios na economia paulista que se arrastam há várias gestões”.

Com a polêmica, o líder do governo na ALESP, Deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB) propôs alterar o texto para que o repasse do superávit ao Tesouro restrinja-se ao ano de 2019, sem afetar os orçamentos das entidades de 2020 em diante. No entanto, ainda há resistência por parte das universidades e da Fapesp em abrir mão, ainda que em parte, da autonomia financeira.

Conclusão

O projeto vem gerando intensos debates, está em regime de urgência e já recebeu 623 emendas de Deputados estaduais e manifestações por parte de Prefeituras e Câmaras Municipais no Estado de São Paulo, além de entidades públicas, empresariais e do terceiro setor, por meio de ofícios.

No estágio atual, o Projeto aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia e ainda pode sofrer alterações. As emendas apresentadas até aqui também serão analisadas pela comissão.

Considerando que o prazo para deliberação pelas Comissões já está esgotado, a matéria poderá ser convocada para Congresso de Comissões para recebimento de pareceres em Plenário, juntamente com a deliberação das emendas, o que pode ocorrer separadamente ou em bloco.

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*Colaboração: Dayanne Cavalcante e Jonas Del Nobile

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