O impacto das eleições americanas no Brasil
No dia 3 de novembro de 2020, os americanos irão às urnas para decidir quem será o presidente de uma das maiores potências mundiais a partir do ano que vem. Os eleitores deverão escolher se o republicano Donald Trump permanecerá no cargo ou se os democratas, na figura do ex-vice-presidente Joe Biden, retomarão o comando do país.
Com um contexto político-eleitoral muito diferente de 2016 devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, os candidatos precisam convencer os americanos quem tem mais viabilidade de liderar a maior potência do mundo na pandemia.
Trump e a economia
Donald Trump tem em sua campanha o fortalecimento e crescimento econômico como maiores bandeiras. Antes do surgimento do vírus da covid-19, a economia americana apresentava indícios de crescimento e diminuição do desemprego. Entretanto, a crise de saúde mundial e a negligência do presidente americano para lidar com o vírus resultaram na morte de 220 mil pessoas e na retração de 32,9% do PIB (Produto Interno Bruto) do país no segundo trimestre. [1]
A profundidade da contração econômica ainda pode ter um impacto maior sobre a taxa de desemprego, aumento da pobreza e deterioração do padrão de vida. Outra questão que levanta a preocupação dos americanos se refere às deficiências estruturais no sistema de saúde. Lá, os cuidados são descentralizados pelas companhias de seguro e tem altos custos para a população mais vulnerável.
Biden e a saúde
O democrata Joe Biden busca canalizar esse sentimento de frustação com a gestão da pandemia para se apresentar como o candidato mais preparado para lidar com o vírus e a economia. No âmbito da saúde, os democratas insistem no discurso de que Trump seria o maior culpado pelo fato de os Estados Unidos serem o país com o maior número de óbitos no mundo.
Assim, Biden tem apresentado um planejamento baseado na disponibilidade de testes e um programa de rastreamento dos casos para evitar o fechamento de comércios. O partido Democrata também apoia o fortalecimento do projeto de saúde do ex-presidente Obama (Medicare) para evitar que os planos de saúde tenham um custo demasiadamente elevado para o americano de classe média.
O alinhamento entre Brasil e EUA
As eleições americanas terão um impacto significativo no Brasil, uma vez que a aproximação entre os dois países nunca foi tão forte, equiparando-se ao governo de Castello Branco entre 1964 e 1967.
O estreitamento entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump resultou no alinhamento automático do Brasil com os interesses dos Estados Unidos.
Em diversos momentos da política internacional, o governo brasileiro defendeu a posição do aliado. Como exemplo, destacam-se o apoio ao projeto de paz entre Israel e Palestina, as críticas contra órgãos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), a resistência em relação à participação da China no leilão do 5G e a eleição do primeiro presidente americano no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
É importante ressaltar que também há convergência entre Brasil e EUA na política externa quando se trata da reação à pandemia e das questões ligadas ao meio ambiente. Ambos os líderes minimizaram os impactos da covid-19 e tiveram condutas contrárias à orientação da OMS, como o distanciamento social e o uso de máscaras.
Segundo Monica Hirst, professora da IESP e UERJ, Brasil e EUA têm atualmente “uma relação de idolatria e alinhamento”, como parte de “uma dinâmica de seitas que une e cria sinergias entre governos de extrema direita”. Na visão dela, “a presença do presidente Jair Bolsonaro incentivou a fragmentação regional (na América Latina)”. [2]
Esse fator pôde ser visto na visita do secretário de estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, à fronteira entre Brasil e Venezuela em Roraima. A vinda do secretário foi vista como uma ação eleitoreira de Donald Trump para engrossar o discurso contra o regime de Nicolás Maduro na Venezuela e também conquistar votos de latinos.
Parlamentares brasileiros contestaram a visita e consideraram-na um ataque à soberania brasileira. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, chegou a classificar a vinda do americano como uma “afronta às tradições de autonomia e altivez” da política externa brasileira. [3]
Outra ação brasileira que teve diretamente impacto no processo eleitoral dos Estados Unidos foi a prorrogação da retirada de tarifas da produção de álcool americana.
Segundo o cientista político Antony Pereira, o governo brasileiro está mantendo sem tarifas a importação do etanol dos Estados Unidos como uma forma de ajudar na reeleição de Donald Trump. Devido a essas medidas e comentários de pessoas próximas ao Governo Federal, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), parlamentares do Democratas vêm demonstrando insatisfação com as tentativas de interferências do Brasil no processo eleitoral americano. [4]
Se Trump vencer
Se Donald Trump vencer as eleições, o Governo Federal conseguirá manter um forte aliado para continuar implementando uma agenda de política externa de confronto e beligerância. A vitória do republicano também reforçará o sentimento anti-China que esteve muito presente em seu primeiro mandato.
No âmbito econômico, Trump tem adotado a política de negociação bilateral com viés protecionista, fortalecendo o dólar e mantendo moedas estrangeira enfraquecidas, além de juros baixos, atraindo investidores.
Para Sérgio Zanini, Diretor de Gestão da Galapagos Capital, os setores agrícolas, Tec, Agro, e mercado imobiliário podem se valer da amizade entre Bolsonaro e Trump para oportunidades “(…) a gente segue muito positivo para os ativos domésticos”. [5]
Se Biden vencer
Entretanto, se Joe Biden sair vitorioso desta eleição, o Governo Federal será prejudicado devido uma diferença significativa na ideologia entre os dois candidatos. Apesar de ser considerado um centrista moderado, Biden tem um perfil econômico menos agressivo e um cuidado muito maior com direitos humanos e o meio ambiente.
Na economia, o democrata deve afrouxar a política monetária de Trump, elevando a taxa de juros, além da cobrança de impostos e tentativa de reduzir déficit do país. Ele terá uma gestão voltada para um modelo de globalização, de discussão comercial e retorno de aproximação com aliados tradicionais.
Política ambiental e o Brasil
Na política ambiental, Biden citou o desmatamento na Amazônia durante o debate presidencial, e ressaltou seu plano de subsídio de US$ 20 bilhões para “parar de queimar a Amazônia (…) se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas”. A fala de Biden reflete uma clara atenção sobre aquecimento global e a questão ambiental. O professor da FVG, Oliver Stunkel, avalia que “uma eleição de Biden poderia levar os EUA a adotarem uma postura em relação ao Brasil mais parecida com a da Europa, onde há um movimento para que o acordo comercial (com o Mercosul) seja condicionado à não destruição da Amazônia”. [6]
O governo brasileiro reagiu as declarações do candidato democrata com uma série de críticas ao posicionamento de Biden no Twitter, classificando como “lamentável”, “desastroso e gratuito”.
O analista Creomar de Souza, CEO da consultoria de risco político Dharma, afirma que o “posicionamento de política externa do Bolsonaro não tem como preocupação direta a política externa, mas o interesse de fazer uma plataforma eleitoral continuada, ou seja, ele quer sempre engajar e resgatar o apoio de seu eleitorado. Dá para ver como ele quer agradar o seu eleitor típico ao colocar nas falas a comparação com outros momentos da história, com outros governos, citar a esquerda”. Apesar do discurso eleitoral, a relação entre Biden e Bolsonaro já começaria em termos ruins.
Conclusão
Importante ressaltar outra convergência entre os presidentes de Brasil e EUA. A relação muito estreita entre os países pode alavancar um impacto na democracia mundial e reverberar no Brasil. O posicionamento de Trump sobre a possibilidade de perda estar associada à fraude nas eleições, é a mesma que foi usada por Bolsonaro em 2018. Assim, a nação pode se dividir entre os que reconhecem o governo e os que não reconhecem sua legitimidade, independente do resultado.
Com essas informações, é possível afirmar que a reeleição do presidente Donald Trump é o melhor cenário para o governo Brasileiro, uma vez que representa a continuidade do status quo e alinhamento ideológico. O Brasil continuaria com um forte aliado na diplomacia internacional e na cruzada contra os organismos multilaterais.
Por outro lado, a vitória de Joe Biden representaria um revés para o presidente Jair Bolsonaro. Apesar de uma provável manutenção da política econômica e acordos comerciais vantajosos para o interesse dos dois países, o Brasil seria cada vez mais pressionado pela política ambiental.
A eleição de Biden representaria um choque nas relações internacionais dos EUA com o mundo devido ao viés multilateral dos democratas, principalmente quando comparada com a política externa do atual presidente americano. Sem Donald Trump, o Brasil ficará isolado nos fóruns internacionais, perdendo força política para desgastar o que o governo brasileiro chama de “agenda globalista”.
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*Colaborou Leonardo Ramos
Referências:
[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/covid-19-faz-economia-dos-eua-despencar-mais-de-30-no-20-tri.shtml#:~:text=O%20Departamento%20do%20Com%C3%A9rcio%20anunciou,s%C3%A9ries%20hist%C3%B3ricas%20iniciadas%20em%201947.
[2] https://oglobo.globo.com/mundo/derrota-de-trump-criaria-problemas-para-brasil-dizem-especialistas-1-24660751
[3] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/09/ernesto-araujo-diz-que-visita-de-pompeo-foi-iniciativa-dos-eua-e-que-brasil-achou-excelente.shtml
[4] https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/09/30/brasil-sentira-efeitos-de-eleicao-americana.ghtml
[5] https://einvestidor.estadao.com.br/investimentos/como-eleicao-eua-impacta-investimentos-brasil
[6] https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/bbc/2020/09/30/a-proposta-de-biden-para-a-amazonia-e-por-que-ela-irritou-bolsonaro.htm
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