O sistema tributário atual brasileiro penaliza principalmente a população mais pobre, formada majoritariamente por mulheres e negros, e uma reforma do setor precisa contemplar questões de gênero e raça. Essa foi a argumentação de economistas, ativistas e pesquisadores que participaram de audiência nesta terça-feira (18) do Grupo de Trabalho (GT) da Câmara que discute a reforma tributária.

A advogada Luiza Machado, mestre em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) disse que as questões de raça e gênero não são historicamente contempladas em discussões sobre o sistema tributário. O que, segundo ela, motiva falhas no modelo, já que a tributação não é um fenômeno “neutro” que atinge de modo igual a todas as camadas da população. Ela mencionou o peso dos impostos em produtos destinados ao público feminino, como absorventes e bombas para coleta de leite materno, que é mais elevado do que o aplicado a itens como a cera para carros.

Machado e outras palestrantes da audiência contestaram uma das medidas em debate na reforma tributária, que é a adoção de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de alíquota única, sem distinção de produtos e serviços e nem variação entre as diferentes regiões do Brasil. O IVA faz parte dos dois projetos para a reforma em debate no GT, as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e 110/2019, ambas focadas na extinção de impostos municipais, estaduais e federais. Segundo Machado, o modelo proposto pelas PECs “vai trazer redução de preços de carros e aumento dos preços de arroz e feijão”, o que ela considera impróprio.

A advogada Raquel Preto disse que a alíquota única tenderia a ter entre seus efeitos negativos o enfraquecimento de micro e pequenas empresas, já que a expectativa é de elevação dos tributos para o setor de serviços. Ela ressaltou que grande parte dos micro e pequenos empreendedores é formada por mulheres. “Nós vamos matar o setor de serviços com uma alíquota de 25%”, declarou, em referência a uma das hipóteses para fixação de alíquota em discussão na reforma.

Cashback é visto como alternativa positiva

Um elemento em debate na reforma que ganhou o apoio dos palestrantes desta terça é a criação do cashback, modelo pelo qual parte dos impostos pagos pela população mais pobre seria devolvido em dinheiro a essa mesma população. O auditor fiscal Giovanni Padilha, da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul e um dos criadores do sistema de cashback no estado, explicou que a medida se faz com base em dois alicerces, a lista dos beneficiários do Bolsa Família e do Cadastro Único, que são gerenciados pelo governo federal.

Segundo a diretora e cofundadora do Movimento “Pra ser justo”, Renata Mendes, o Brasil dispõe de elementos técnicos que permitem a implantação do cashback, como uma alta dose de informatização e um histórico de programas sociais. Ela ressaltou que o sistema, se efetivado, teria como principal base de beneficiários as mulheres e a população das regiões Norte e Nordeste, as mais carentes do país. Ela defendeu a aplicação do IVA com alíquota única e disse que a somatória de IVA e do cashback pode gerar a uma redução de desigualdade expressiva no Brasil.

Já a advogada Tathiane Piscitelli ressaltou que a implementação do cashback precisa ser feita com cautela para não excluir pessoas pobres que não se encaixariam em critérios rigorosos de pobreza, como os empregados com carteira assinada. Ela defendeu que a reforma mantenha a isenção de tributos nos produtos que formam a cesta básica.

Coordenador: reforma atual é “travessia”

O coordenador do GT da Reforma, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), disse considerar o projeto em debate uma “travessia” necessária para a obtenção de um sistema de impostos ainda mais justo, que repensaria o arco legal de tributação sobre patrimônio e renda. 

O foco em patrimônio e renda é cobrado por ativistas e parlamentares de esquerda; já a cúpula do GT, formada por Lopes e pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), tem dito que não é possível avançar nestes tópicos na discussão atual.

Lopes voltou a reconhecer que o texto final da reforma deverá incluir alíquotas diferenciadas para alguns setores, o que contraria as redações iniciais das PECs 110 e 45. Ele, porém, ressaltou que buscará que o benefício específico seja dado ao menor número possível de atividades e segmentos.