Em novembro de 2023, o Brasil foi destino da aclamada cantora estadunidense Taylor Swift em sua turnê mundial, The Eras Tour, realizando shows no Rio de Janeiro e em São Paulo. A turnê internacional da cantora tem movimentado cerca de US$ 4 bilhões de dólares pelo mundo, caminhando para se tornar a turnê mais rentável da história. Assim, um empreendimento dessa magnitude envolve os interesses de grandes empresas privadas do ramo do entretenimento e do setor ligado ao turismo, hotelaria e merchandising, que lucram com o sucesso internacional da cantora. Além de movimentar fortemente a economia local, a chegada da The Eras Tour também afeta o cotidiano do país que a recebe e a segurança pública de sua população, a qual, no Brasil, sofreu fortes impactos, principalmente no que tange a segurança do público em grandes eventos.

No dia 17 de novembro, data da tão esperada estreia de Swift em solo brasileiro, a cidade do Rio de Janeiro foi acometida por um calor extremo, atingiu cerca de 42º graus. Esse fato, além de já ser uma emergência climática isolada devido à baixa umidade do ar, foi intensificado pelas condições prejudiciais do estádio Nilton Santos – o Engenhão. O local que sediou o espetáculo da cantora, tinha o chão da pista VIP coberto por chapas metálicas, que intensificaram a sensação térmica e causavam queimaduras no público que buscava um lugar para sentar e, além disso, foi proibida a entrada no estádio com o porte de garrafas de água, sendo a oferta de água potável na localidade dependente da disponibilidade dos vendedores internos e sob preços abusivos. Sob essas condições, a sensação térmica no local chegou a bater mais de 60º graus, demonstrando como a realização de eventos de grande porte dessa modalidade colocam em risco a vida do público. O triste exemplo foi a morte de Ana Benevides, jovem de 23 anos que perdeu a vida no estádio após uma parada cardiorrespiratória no primeiro dia da The Eras Tour no Brasil.

Esse episódio tornou evidente como há uma insuficiência de normas claras na legislação brasileira que visem garantir a segurança do público em grandes eventos, sobretudo para fornecer os recursos básicos de saúde – como a distribuição de água potável-, ainda mais em condições adversas como foi o caso do calor extremo no Rio de Janeiro. Esse cenário chamou a atenção do poder público brasileiro, que ao testemunhar a negligência à segurança de parcela da população brasileira, em sua maioria jovens e adolescentes, mobilizou-se a fim de controlar a situação.

Desde o ocorrido, o Poder Legislativo brasileiro, desde o âmbito federal, no Congresso, até as Casas Legislativas estaduais e municipais, têm sido abarcados pelo “Efeito Taylor Swift”: uma onda de proposições referentes ao acesso à água em shows no Brasil. Os Projetos de Lei, de maneira geral, criam obrigatoriedade em torno do dever de distribuir água em grandes eventos e do direito do público de adentrar os eventos portando garrafas de água no âmbito dos municípios, buscando a segurança fisiológica do público. As proposições, em sua maioria, visam responsabilizar diretamente as empresas organizadoras dos eventos em arcar com os custos da distribuição de água potável, como é o caso do PL 291/2023, da Câmara Municipal de Recife, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade das empresas promotoras de shows e eventos públicos e privados de grande porte permitirem a entrada de garrafas de água para consumo individual e fornecerem água potável por meio da instalação de bebedouros no âmbito do município do Recife”. Além disso, também surgiram proposições mais amplas, que não restringem a obrigatoriedade de distribuição de água apenas em eventos, mas que transcendem a norma para outros estabelecimentos e locais públicos no âmbito municipal, como é o caso do PL 625/2023, da Câmara Municipal de São Paulo, que “Institui, a necessidade no Munícipio de São Paulo de instalar bebedouros com água potável em todos os parques e locais públicos, com grande concentração de pessoas”.

Para dar um breve contexto, o Direito à água limpa e segura foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010 como um Direito Humano. No mesmo ano, o Brasil também o reconheceu como Direito Humano fundamental, porém ainda não existe norma que estabeleça caráter vinculativo do direito ao acesso à água potável na legislação brasileira. Assim, apesar da luta pelo acesso à água potável para todos os brasileiros e brasileiras já apresentar bases sólidas, ela enfrenta desafios quanto ao estabelecimento legislativo desde direito em um país de dimensões continentais. Há em tramitação, atualmente, a Proposta de Emenda Constitucional 4/2018, que “Inclui, na Constituição Federal, o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais”, a qual está paralisada no Congresso desde 2021.
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Diante disso, o Efeito Taylor Swift e a intensificação de proposições legislativas no que tange ao acesso à água reforçam a urgência de uma discussão de grande relevância para o Brasil, trazendo para o centro do debate político e para o foco da mídia o debate em torno do direito de acesso à água. Dessa forma, as mobilizações dos parlamentares e suas proposições legislativas contribuem para fortalecer a luta do direito ao acesso à água e a importância de sua garantia, de maneira gratuita, limpa e acessível, para a saúde e para a segurança da população, problemática que se torna ainda mais relevante diante do agravamento das ondas de calor enfrentadas em 2023, como decorrência das mudanças climáticas que assolam o planeta.

Com os dados disponibilizados pela plataforma de monitoramento legislativo do Radar Governamental, temos que, desde 17 de Novembro de 2023, foram protocolados 100 Projetos de Lei referentes ao acesso à água nos estados e municípios. As proposições concentram-se principalmente na região Sudeste, mas há a presença de Projetos em todas as regiões do país. Os vereadores ou deputados autores dos Projetos são, predominantemente, do Partido dos Trabalhadores (PT), seguidos pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido Social Democrático (PSD). No âmbito federal, foram protocoladas 15 proposições na Câmara dos Deputados no que tange o direito ao acesso à água em grandes eventos. Entre elas, o PL 5572/2023, de autoria da Delegada Adriana Accorsi (PT-GO), que “Cria a Lei Ana Clara Benevides, que dispõe sobre a obrigatoriedade do fornecimento gratuito de água potável e estrutura adequada nos festivais, shows e eventos com aglomeração de pessoas”, em homenagem à jovem que perdeu a vida em decorrência da falta de regulamentação da segurança fisiológica em grandes eventos.

Dessa forma, a conjuntura política do legislativa brasileiro no último mês nos demonstra como emergências de calamidade pública moldam tendências legislativas e mobilizam os parlamentares de todo o país. Além disso, esse episódio evidencia como a passagem de grandes estrelas internacionais como Taylor Swift no país é capaz de influenciar debates políticos de grande relevância para a saúde e o bem estar da população.

Este texto utilizou informações do G1, da Folha de São Paulo, do site da Câmara dos Deputados e da plataforma de monitoramento do Radar Governamental.